Domingo, 24 de Agosto de 2008

Ter medo de encarar o que está mal

Decidi deixar passar uns dias após o veto à lei do divórcio para ponderar se todos os insultos que mentalmente proferi contra o presidente da república (sim, porque por via das dúvidas é melhor não os dizer em voz alta) eram de facto válidos ou se eram apenas uma reacção minha enquanto estava com a cabeça quente.

Os argumentos para vetar a lei são a retirada do poder negocial ao cônjuge que não é considerado "culpado" do divórcio, aumentando as suas possíveis fragilidades. Argumento interessante e cheio de boas intenções mas, a meu ver, um bocado esburacado.

Ora senão vejamos: desde o início do ano já morreram 31 mulheres às mãos dos seus parceiros. Parece-me que estas cônjuges eram o elo mais fraco na relação e não seriam consideradas culpadas em caso de divórcio. Parece-me também que, a existirem filhos menores, as obrigações de ambos os cônjuges mantêm-se independentemente de quem pede o divórcio e dos seus motivos, cabendo à justiça (se ela for competente), assegurar o cumprimento dessas obrigações. É claro que podemos dizer (e bem) que a justiça na maior parte das vezes não é competente. Mas isso não é culpa dos cônjuges e sim da própria justiça, pelo que o que tem de mudar é a justiça e não as obrigações dos cônjuges.

Assim sendo, consigo pensar em pelo menos 31 cônjuges que não se viram protegidas pela actual legislação relativa ao divórcio. Será que estariam mais protegidas com a nova lei? Não sei e nunca vamos saber porque entretanto morreram! Estiveram casadas até que a morte os separou, tudo como manda a lei divina. Podia continuar tudo na mesma com a proposta de nova lei, mas se pelo menos uma conseguisse divorciar-se unilateralmente e, à custa disso, sobrevivesse, a nova proposta já teria valido a pena.

A Associação de Famílias Numerosas veio congratular-se com a decisão de Cavaco Silva. Pergunto eu: porquê? Será que só conseguem manter a família numerosa se obrigarem um dos cônjuges a continuar casado unilateralmente? Será que a nova lei obrigava alguém a divorciar-se? Será que a família é mais feliz se estiverem casados por obrigação? Não me parece. Não sei porquê, e admito o meu preconceito, mas esta associação faz-me sempre lembrar aquelas famílias onde os filhos nascem uns atrás dos outros para que o casal possa centrar-se nas crianças e nunca tenha de pensar nas suas próprias fragilidades enquanto casal. Assim, todos os problemas são varridos para debaixo do tapete enquanto se mudam fraldas, preparam lancheiras e compram material escolar.

Se tudo correr bem (e se dois terços da assembleia da república tiverem juizinho) a nova lei avança quer o presidente da república goste ou não. Mas depois da minha reflexão, reitero todos os insultos que mentalmente proferi contra ele e ainda me fui lembrando de mais alguns.

publicado por bonecatenebrosa às 13:17
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Terça-feira, 14 de Agosto de 2007

Abram alas para o Papão no seu carro amarelo

Quando hoje fui pôr as fotografias das férias a revelar (estarão prontas na 5.ª feira) passei por uma senhora que levava pela mão o seu sobrinho, que deveria ter cerca de 5 anos, e a quem dizia "Não te afastes da tia que senão vêm os senhores maus e levam-te".

Reparem: não havia o perigo da criança perder-se, ou ser atropelada, nem qualquer outra coisa. O problema eram apenas os senhores maus. Porque, por acaso, também não há senhores bons que, perante uma criança perdida, a ajudariam a encontrar a família. Claro que não! Actualmente, qualquer pessoa que seja vista com uma criança que não é sua, fica automaticamente conotada como uma pessoa má que quer sujeitar a criança às piores torturas. Depois, as mesmas pessoas que recorrem ao argumento dos "senhores maus", são as que se queixam de que ninguém as ajudou. Ora, os mal-entendidos acontecem e nenhuma pessoa boa quer ser confundida com uma pessoa má, pelo que mais vale ser indiferente...

Parecendo que não, os raptores de crianças, sejam quais forem os seus objectivos, conseguiram devolver às famílias a liberdade de falar no Papão ou no Homem do Saco, por outras vias. Houve um tempo em que se pensou que era melhor não usar estas criaturas na educação porque traumatizava as crianças. Os pais deram por si perante um grande problema porque deixavam de ter como amedrontar a criança e todos nós sabemos como o medo e o respeito estão profundamente associados. Agora, sob a capa da preocupação, o Papão voltou em peso aos discursos dos pais, transformado nos "senhores maus", aqueles que têm um aspecto mal encarado, vestem gabardina e vagueiam por aí à procura de criancinhas a quem possam fazer maldades.

O que se acaba por esquecer é que a maior parte dos maus-tratos e abusos infligidos a crianças acontecem dentro da sua própria casa. E os "senhores maus" costumam ser os familiares e amigos da família, geralmente, pessoas com o ar mais pacato do mundo, por quem qualquer um poria as mãos no fogo, dizendo "ele nunca seria capaz de fazer tal coisa". Convém lembrarmo-nos disto antes de nos tornarmos completamente paranóicos. Até porque, se olharmos com atenção, até o Noddy tem ar de tarado.

publicado por bonecatenebrosa às 12:00
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Segunda-feira, 4 de Junho de 2007

A importância de uma erecção

Ainda no mês passado, um indivíduo condenado por três crimes de tentativa de abuso sexual de crianças e pelo crime de abuso sexual de criança (um rapaz de 13 anos) na forma continuada, viu a sua pena ser reduzida de 7,5 anos para 5 anos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Diz o STJ que é diferente praticar esses actos com uma criança de 5 ou 6 anos ou com um jovem de 13 anos "que despertou já para a puberdade e que é capaz de erecção e de actos ligados à sexualidade que dependem da sua vontade". Apesar da longevidade da maior parte dos juízes do STJ, acho que é uma boa altura para perguntar se, eles próprios, alguma vez passaram da puberdade.

Há alguns anos ficou famoso o acórdão em que se fazia referência à "coutada do macho ibérico". Para quem não sabe ou não se lembra, duas turistas foram violadas por um português. O facto de não terem consigo companhia masculina que as protegesse e de estarem com roupas frescas em pleno Verão parece ter sido o suficiente para que os doutos juízes achassem que elas estavam a pedi-las e, vai daí, reduziram a pena ao violador. Afinal, num país tão católico, parece que há quem ache que as mulheres só devem sair de casa na companhia de homens e, de preferência, usando burka. Se andam para aí a mostrar a carninha, essas badalhocas sujeitam-se...

Há não tanto tempo, outra história interessante, foi a de uma mulher assassinada pelo marido, depois de vários anos de maus-tratos. Desta feita, a pena do homicida foi reduzida porque, aparentemente, a mulher cozinhava mal e não sabia passar a roupa a ferro como deve ser. Grande vaca! Então o coitado do homem casou-se com ela cheio de vontade de a amar e respeitar na alegria e na tristeza, na saúde e na doença e enquanto lhe arreia porrada, e essa estúpida não sabe cozinhar nem passar a ferro? Será que ela não estava satisfeita com o ordenado de empregada doméstica? Ou será que ele não lhe pagava porque, ao fim ao cabo, se casou com ela, ser empregada deveria vir por acréscimo? Acho que os juízes do STJ são desta opinião.

Ainda mais recentemente foi a história dos maus-tratos da responsável de um lar às crianças deficientes mentais que estavam institucionalizadas nesse local. O STJ acha que as estaladas e palmadas que a senhora dava eram um castigo lícito, aceitável e normal que qualquer "bom pai de família" poderia dar no exercício das suas funções educativas. Sou da opinião que as crianças, de uma maneira geral, não ficam traumatizadas por levar uma palmada e, nalguns casos, acho que as palmadas têm uma função muito pedagógica, principalmente em miúdos mimados que fazem birras por tudo e por nada e ainda batem na avó. No entanto, parece que a senhora não se limitava a dar palmadas, também fechava os miúdos na despensa às escuras e amarrava-os à cama. Isto já não me parece tão pedagógico, principalmente se relembrarmos que são crianças com deficiências mentais. Mas os senhores juízes, como "bons pais de família" que devem ser, lá sabem o que fazem no recato do seu lar às respectivas mulheres e filhos.

E chega-se assim ao caso actual, do rapaz de 13 anos, vítima da abuso sexual e capaz de erecção. Embora eu entenda a lógica de o aumento da idade da criança justificar a redução da pena ao abusador, esta é apenas uma pequena parte da questão. Eu entendo que este tipo de crime, tal como outros crimes que agora não interessam, possa ter nuances que importa considerar, como por exemplo o tipo de abuso (apalpão é diferente de penetração), a regularidade (uma vez é diferente de todos os dias), etc. O que não interessa nada é se o rapaz já atingiu a puberdade ou não. Aliás, uma rapariga pode atingir a puberdade aos 8 anos enquanto outra atinge apenas aos 16 e isso não torna a primeira mais madura e capaz de tomar decisões relativamente à sua vida sexual do que a segunda. O que interessa é que a lei define que a prática de actos sexuais com crianças até ao 14 anos configura crime de abuso sexual, pelo que a puberdade não é para aqui chamada. Daqui a nada, os juízes aparecem mascarados como num antigo anúncio da Evax, dizendo "Sou a tua menstruação, vamos fazer uma festa, trouxe confetis e, já agora, se abusarem sexualmente de ti, a partir de hoje estás por tua conta".

Não é preciso eu ser homem para saber que uma erecção não é um acto voluntário: acontece durante o sono ao homem adormecido e, já agora, durante um enforcamento ao homem enforcado. Os juízes, sendo na sua maioria homens, ainda deveriam saber isso melhor que eu. No entanto, parece-me que estão demasiado ocupados a fazer juízos morais e de valores, para se preocuparem em tratar os assuntos com objectividade e exactidão. É triste, porque a continuar assim, não falta muito para que em vez de um STJ tenhamos uma Suprema Milícia Popular.

publicado por bonecatenebrosa às 11:25
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Terça-feira, 15 de Maio de 2007

Não deixo mesmo passar uma

Diz o Correio da Manhã que há um peregrino que se destaca entre os restantes por percorrer 300 km a pé, numa estrada sobreaquecida, tratando-se de uma criança de 9 anos que vai cumprir uma promessa com a mãe. E todos parecem achar este comportamento louvável.

Pois agora digo eu: onde andam as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens? É que um miúdo de 9 anos apenas entende de religião aquilo que os pais querem que ele entenda. Ora, se ele não tem discernimento para votar, também não tem para pagar promessas e, tratando-se de um comportamento que pode ter consequências graves para a saúde do miúdo, parece-me que estamos perante um caso de maus-tratos infantis.

É claro que ele pode estar a adorar o passeio! Do mesmo modo que um miúdo que trabalhe nas obras pode adorar andar em cima de andaimes... No entanto, no segundo caso, todos deitam as mãos à cabeça e lincham os pais do puto. Enquanto neste caso, por ser uma peregrinação a Fátima, está tudo bem e, provavelmente, vão canonizar o miúdo e a mãe dele.

publicado por bonecatenebrosa às 17:27
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