A propósito da libertação de mais de uma centena de presos preventivos, e da celeuma que se gerou à volta, veio o ministro da Justiça, Sr. Alberto Costa, dizer que «um certo alarmismo que alguns parecem estar irresponsavelmente a gerar não tem nenhuma razão de ser». Ele não se sente alarmado. Se eu tivesse guarda-costas e fosse para todo o lado de motorista, como ele provavelmente vai, também não ficaria alarmada.
Parto do princípio que nem ele, nem nenhum dos seus familiares, tenha alguma vez sido violado ou assassinado por alguém que está preventivamente a aguardar recurso da sua sentença e que, por agora, vai tranquilamente para casa. Ou talvez até nem vá tão tranquilamente se houver o risco de ser sujeito a um linchamento colectivo...
Como os restantes instrumentos jurídicos (medidas de afastamento, termo de identidade e residência, apresentações periódicas) costumam ser extremamente eficazes em Portugal, não há qualquer motivo para ficarmos alarmados. Mas, pelo sim, pelo não, vou ver se arranjo uma arma atordoante!
Ainda no mês passado, um indivíduo condenado por três crimes de tentativa de abuso sexual de crianças e pelo crime de abuso sexual de criança (um rapaz de 13 anos) na forma continuada, viu a sua pena ser reduzida de 7,5 anos para 5 anos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Diz o STJ que é diferente praticar esses actos com uma criança de 5 ou 6 anos ou com um jovem de 13 anos "que despertou já para a puberdade e que é capaz de erecção e de actos ligados à sexualidade que dependem da sua vontade". Apesar da longevidade da maior parte dos juízes do STJ, acho que é uma boa altura para perguntar se, eles próprios, alguma vez passaram da puberdade.
Há alguns anos ficou famoso o acórdão em que se fazia referência à "coutada do macho ibérico". Para quem não sabe ou não se lembra, duas turistas foram violadas por um português. O facto de não terem consigo companhia masculina que as protegesse e de estarem com roupas frescas em pleno Verão parece ter sido o suficiente para que os doutos juízes achassem que elas estavam a pedi-las e, vai daí, reduziram a pena ao violador. Afinal, num país tão católico, parece que há quem ache que as mulheres só devem sair de casa na companhia de homens e, de preferência, usando burka. Se andam para aí a mostrar a carninha, essas badalhocas sujeitam-se...
Há não tanto tempo, outra história interessante, foi a de uma mulher assassinada pelo marido, depois de vários anos de maus-tratos. Desta feita, a pena do homicida foi reduzida porque, aparentemente, a mulher cozinhava mal e não sabia passar a roupa a ferro como deve ser. Grande vaca! Então o coitado do homem casou-se com ela cheio de vontade de a amar e respeitar na alegria e na tristeza, na saúde e na doença e enquanto lhe arreia porrada, e essa estúpida não sabe cozinhar nem passar a ferro? Será que ela não estava satisfeita com o ordenado de empregada doméstica? Ou será que ele não lhe pagava porque, ao fim ao cabo, se casou com ela, ser empregada deveria vir por acréscimo? Acho que os juízes do STJ são desta opinião.
Ainda mais recentemente foi a história dos maus-tratos da responsável de um lar às crianças deficientes mentais que estavam institucionalizadas nesse local. O STJ acha que as estaladas e palmadas que a senhora dava eram um castigo lícito, aceitável e normal que qualquer "bom pai de família" poderia dar no exercício das suas funções educativas. Sou da opinião que as crianças, de uma maneira geral, não ficam traumatizadas por levar uma palmada e, nalguns casos, acho que as palmadas têm uma função muito pedagógica, principalmente em miúdos mimados que fazem birras por tudo e por nada e ainda batem na avó. No entanto, parece que a senhora não se limitava a dar palmadas, também fechava os miúdos na despensa às escuras e amarrava-os à cama. Isto já não me parece tão pedagógico, principalmente se relembrarmos que são crianças com deficiências mentais. Mas os senhores juízes, como "bons pais de família" que devem ser, lá sabem o que fazem no recato do seu lar às respectivas mulheres e filhos.
E chega-se assim ao caso actual, do rapaz de 13 anos, vítima da abuso sexual e capaz de erecção. Embora eu entenda a lógica de o aumento da idade da criança justificar a redução da pena ao abusador, esta é apenas uma pequena parte da questão. Eu entendo que este tipo de crime, tal como outros crimes que agora não interessam, possa ter nuances que importa considerar, como por exemplo o tipo de abuso (apalpão é diferente de penetração), a regularidade (uma vez é diferente de todos os dias), etc. O que não interessa nada é se o rapaz já atingiu a puberdade ou não. Aliás, uma rapariga pode atingir a puberdade aos 8 anos enquanto outra atinge apenas aos 16 e isso não torna a primeira mais madura e capaz de tomar decisões relativamente à sua vida sexual do que a segunda. O que interessa é que a lei define que a prática de actos sexuais com crianças até ao 14 anos configura crime de abuso sexual, pelo que a puberdade não é para aqui chamada. Daqui a nada, os juízes aparecem mascarados como num antigo anúncio da Evax, dizendo "Sou a tua menstruação, vamos fazer uma festa, trouxe confetis e, já agora, se abusarem sexualmente de ti, a partir de hoje estás por tua conta".
Não é preciso eu ser homem para saber que uma erecção não é um acto voluntário: acontece durante o sono ao homem adormecido e, já agora, durante um enforcamento ao homem enforcado. Os juízes, sendo na sua maioria homens, ainda deveriam saber isso melhor que eu. No entanto, parece-me que estão demasiado ocupados a fazer juízos morais e de valores, para se preocuparem em tratar os assuntos com objectividade e exactidão. É triste, porque a continuar assim, não falta muito para que em vez de um STJ tenhamos uma Suprema Milícia Popular.
. "They may take our lives ...
. A importância de uma erec...