Terça-feira, 21 de Outubro de 2008

Cada um sabe de si

A propósito do novo regime jurídico para o divórcio que foi promulgado pelo nosso presidente (não, não precisamos de mais comunicados, fica sossegadito faz favor), lembro-me de há pouco tempo ouvir o professor Marcelo falar dos inconvenientes que este novo regime levantava e fazia a comparação com os contratos de trabalho, dizendo que em breve os contratos de trabalho teriam mais estabilidade e garantias que os casamentos.

Como eu falo tanto como o professor Marcelo e, às vezes, tenho a nítida sensação de que entendo mais do que falo do que ele (embora não seja tão rápida a ler enciclopédias), dei por mim a pensar se a crítica dele representaria de facto um inconveniente.

Primeiro, só mesmo no planeta dele é que os contratos de trabalho são estáveis e com garantias. Depois porque, a meu ver, faz todo o sentido que um contrato de trabalho seja mais estável e dê mais garantias que um casamento. A nossa sociedade vem progressivamente a enaltecer os casamentos por amor, talvez porque fique mal admitir quando um casamento é de conveniência. Ora, o amor é uma emoção e, consequentemente, está sujeito a alguma instabilidade, o que faz com que o casamento seja automaticamente uma instituição instável. A prova disso é que, independentemente de o divórcio ser um processo fácil ou difícil, há cada vez mais gente a divorciar-se.

Por outro lado, as pessoas dependem do seu trabalho para ter casa, comida e, de um modo geral, dinheiro. Logo, as pessoas dependem do trabalho para sobreviverem, mas não dependem do casamento para sobreviverem. Aliás, o nosso presidente salienta que o novo regime jurídico do divórcio vai agravar vulnerabilidades, principalmente de mulheres e filhos menores, mas se essas mulheres tivessem estabilidade, direitos e garantias no mercado de trabalho, possivelmente não estariam dependentes de maus casamentos para sobreviverem.

Conclusão: Aumentem a estabilidade e garantias do mercado de trabalho para que cada um possa estar casado ou divorciado conforme seja o seu desejo, sem que isso prejudique ninguém. E assim ainda beneficiam os solteiros e os viúvos!

Ah, e para que vejam como eu sou um espectáculo, capaz de juntar dois temas polémicos num só post, reparem nisto: para aqueles que forem homofóbicos, talvez seja uma boa altura para defenderem o casamento de homossexuais. É que se o casamento está pelas ruas da amargura, deixar os homossexuais casarem-se pode ser o pior que lhes pode acontecer. Viram? Casamento, divórcio, homossexualidade... só falta mesmo uma catástrofe natural ou uma invasão extraterrestre!

publicado por bonecatenebrosa às 13:48
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Domingo, 24 de Agosto de 2008

Ter medo de encarar o que está mal

Decidi deixar passar uns dias após o veto à lei do divórcio para ponderar se todos os insultos que mentalmente proferi contra o presidente da república (sim, porque por via das dúvidas é melhor não os dizer em voz alta) eram de facto válidos ou se eram apenas uma reacção minha enquanto estava com a cabeça quente.

Os argumentos para vetar a lei são a retirada do poder negocial ao cônjuge que não é considerado "culpado" do divórcio, aumentando as suas possíveis fragilidades. Argumento interessante e cheio de boas intenções mas, a meu ver, um bocado esburacado.

Ora senão vejamos: desde o início do ano já morreram 31 mulheres às mãos dos seus parceiros. Parece-me que estas cônjuges eram o elo mais fraco na relação e não seriam consideradas culpadas em caso de divórcio. Parece-me também que, a existirem filhos menores, as obrigações de ambos os cônjuges mantêm-se independentemente de quem pede o divórcio e dos seus motivos, cabendo à justiça (se ela for competente), assegurar o cumprimento dessas obrigações. É claro que podemos dizer (e bem) que a justiça na maior parte das vezes não é competente. Mas isso não é culpa dos cônjuges e sim da própria justiça, pelo que o que tem de mudar é a justiça e não as obrigações dos cônjuges.

Assim sendo, consigo pensar em pelo menos 31 cônjuges que não se viram protegidas pela actual legislação relativa ao divórcio. Será que estariam mais protegidas com a nova lei? Não sei e nunca vamos saber porque entretanto morreram! Estiveram casadas até que a morte os separou, tudo como manda a lei divina. Podia continuar tudo na mesma com a proposta de nova lei, mas se pelo menos uma conseguisse divorciar-se unilateralmente e, à custa disso, sobrevivesse, a nova proposta já teria valido a pena.

A Associação de Famílias Numerosas veio congratular-se com a decisão de Cavaco Silva. Pergunto eu: porquê? Será que só conseguem manter a família numerosa se obrigarem um dos cônjuges a continuar casado unilateralmente? Será que a nova lei obrigava alguém a divorciar-se? Será que a família é mais feliz se estiverem casados por obrigação? Não me parece. Não sei porquê, e admito o meu preconceito, mas esta associação faz-me sempre lembrar aquelas famílias onde os filhos nascem uns atrás dos outros para que o casal possa centrar-se nas crianças e nunca tenha de pensar nas suas próprias fragilidades enquanto casal. Assim, todos os problemas são varridos para debaixo do tapete enquanto se mudam fraldas, preparam lancheiras e compram material escolar.

Se tudo correr bem (e se dois terços da assembleia da república tiverem juizinho) a nova lei avança quer o presidente da república goste ou não. Mas depois da minha reflexão, reitero todos os insultos que mentalmente proferi contra ele e ainda me fui lembrando de mais alguns.

publicado por bonecatenebrosa às 13:17
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