Acho bonito que as pessoas tenham consciência. Como diria a nossa querida Lili, "estar vivo é o contrário de estar morto" e ter consciência é o contrário de ser inconsciente. Também acho bem que as pessoas lutem e defendam os seus princípios. Agora, acho que é relevante saber onde é que acaba a defesa dos princípios e começa a preguiça e/ou a incompetência.
Muito se tem ouvido falar dos médicos objectores de consciência a propósito da nova lei que descriminaliza o aborto. Descriminaliza, não liberaliza. Acho que, do mesmo modo que ninguém é obrigado a ter filhos, também ninguém e obrigado a fazer abortos apenas devido à entrada em vigor da nova lei. Aliás, acho que impedir alguém de fazer um aborto forçando essa pessoa a ter um filho que não deseja é tão violento como forçar alguém a fazer um aborto. Logo, concordo com a nova lei, que não obriga ninguém a nada e também não criminaliza nenhuma decisão tomada em consciência (lá vem ela, a consciência). Há quem diga "e a criança, coitadinha, que não se pode defender". A minha resposta: 1) ainda não há criança nenhuma; 2) então e a mulher que não quer aquela gravidez?; 3) coitadinha da criança se nascer resultante de uma gravidez não desejada, para ser morta, maltratada, abandonada e/ou negligenciada.
Poderia continuar, mas acho que tudo já foi dito sobre este tema e agora já é uma perda de tempo. Porquê? Porque já existe uma lei que responde a uma necessidade que não é apenas individual, mas também de saúde pública e que resultou de uma votação democrática. Dirão ainda alguns: "mas a maior parte da população absteve-se". Respondo eu: quem se absteve não estava interessado na votação logo é-lhe indiferente o resultado, se assim não fosse, teria ido votar. Se as eleições fossem presidenciais ou legislativas, até podia haver uma abstenção de 99%, que a decisão do 1% votante era aplicada. Assim sendo, a elevada abstenção não é desculpa para nada! Ah, é a propósito, diz-se abstenção e não abstinência. Isto é um recado a uma jornalista da RTP que estava a cobrir as eleições da CML e que não sabe que abstinência tem outro significado.
Voltando à questão chave da objecção de consciência. E se de hoje para amanhã, um médico dissesse "recuso-me a tratar fumadores com cancro do pulmão", ou se um psicólogo ou psiquiatra dissesse "recuso-me a tratar clientes suicidas", ou se um trolha dissesse "recuso-me a construir grandes superfícies comerciais", ou se um funcionário de papelaria dissesse "recuso-me a vender a revista Maria", ou se um professor dissesse "recuso-me a ensinar a teoria da evolução das espécies", ou ainda se uma parteira dissesse "recuso-me a ajudar a trazer crianças a este mundo".
Consciências, cada um tem a sua e todas estas podem ser questões de consciência. Afinal de contas, quem somos nós para questionar a consciência alheia? Agora, a meu ver, usar a consciência como desculpa para não cumprir a lei, deve ter limites e esses limites também deveriam ser impostos aos médicos objectores de consciência. Se antigamente fazer um aborto era crime, agora já não é (até às 10 semanas de gravidez). Negar a uma grávida o direito a fazer um aborto é sinónimo de incumprimento da lei e, consequentemente, deveria, isso sim, constituir um acto criminoso.
Pior ainda, é que me dá a ideia que os médicos objectores de consciência não estão, de facto, a defender os seus princípios. Parece-me que estão apenas a evitar juntar mais uma tarefa ao trabalho que já tinham anteriormente. E a isto eu chamo preguiça e incompetência. Tudo menos objecção de consciência.
De
Dicio a 18 de Julho de 2007 às 14:42
abstenção:
do Lat. abstentione
s. f.,
acção ou efeito de abster;
renúncia, privação, isenção;
abstinência, continência.
De facto, abstenção e abstinência são sinónimos. Contudo, o facto de 2 palavras serem sinónimos não significa que possam ser aplicadas correctamente ao mesmo contexto. Outro exemplo disso é "adesão" e "aderência". Os objectos, como a fita adesiva, têm aderência, já o mesmo não se verifica com pessoas. Entre as pessoas há, por exemplo, uma maior ou menor "adesão" a causas ou acontecimentos.
Do mesmo modo, se considerarmos situações políticas, fala-se de abstenção e não de abstinência. Seria de estranhar se um jornalista, a cobrir as eleições, dissesse que, por parte do eleitorado, houve uma forte "renúncia, privação, isenção ou continência" para se referir à taxa de abstenção.
Hummm... ora vamos lá ver o que se pode dizer!
Obviamente, sabes bem que essa objecção se prende com uma interpretação rigorosa ou à letra do código de Hipócrates. O qual, suponho também impediria a eutanásia, uma questão que deverá igualmente ser referenciada um destes dias...
Anyway... claro que existe uma diferença muito substancial em relação aos outros exemplos qiue apresentas. É certo que tal até será discutível de um ponto de vista muito estritamente legal - que seria se TODOS os médicos fossem objectores? - mas nesse caso, e como os profissionais de saúde também representam uma amostragem significativa da população, tal lei despenalizadora talvez nem existisse.
A questão põe-se no plano ético, claro, e até nas concepções religiosas ou metafísicas da origem da vida e por aí. Olha, em contraponto, há também a objecção de consciência para quem recusa combater activamente num cenário de guerra. Tal nem é fugir necessariamente à tropa, há outras funções administrativas e até de prestação de cuidados médicos aos feridos em combate. Bem, agora creio que essa questão já nem se põe, que o serviço militar é voluntário e está a ser profissionalizado, ao que leio.
Olha, por fim, lembrei-me agora de algo interessante sobre o qual até gostava de ouvir a tua opinião. E até tem a ver com o tema das brigantinas bravas! :) De facto, parece-me talvez mesmo o exemplo mais parecido com essa questão de "consciência vs. lei", pior assim dizer.
Actualmente, a prostituição já está legalizada em muitos países, incluindo o nosso. Bem, não sei exactamente os meandros da lei em pormenor, mas tal deixou de ser considerado crime de ofensa à moral pública e por aí. Obviamente, estamos de acordo e creio que mesmo as pessoas mais tradicionais e religiosas não se devem opor a uma tal medida de bom senso... espero!
Ah, mas o lenocínio, ou incitação à prostituição, continua a ser um crime, claro. Não é a mesma coisa fazê-lo por gosto... mesmo que relativo, talvez necessidade ou último recurso em muitos casos... ou ser forçada e coagida a tal.
Anyway... ano passado li uma notícia de facto um pouco invulgar acerca de uma jovem alemã desempregada e que foi chamada ao Centro de Emprego lá da zona. A senhora era caixa de supermercado, creio, ou algo assim, e havia uma vaga para empregada num bar, só que... enfim, digamos que era algo tipo "alterne"! Bem, a alternativa "acompanhante" é que não lhe agradava muito, digamos que não fazia o seu estilo.
Ora o surpreendente da questão é que, segundo a notícia, puseram-lhe o dilema: a prostituição é uma actividade perfeitamente legal, o emprego proposto está dentro das habilitações e do currículo ou experiência profissional anterior, logo... é pegar ou largar! :o) Caso contrário, lá se vai o subsídio de desemprego, já que recusou uma proposta válida... Ou seja, um lenocínio de estado, até fico gago!!!
Bem, não sei como terminou o caso, mas como também sabes, agora há regras algo mais apertadas de modo a que os desempregados não recusem propostas de emprego sem razão válida e forte.
Anyway... que pensas desta situação algo insólita, ó Boneca inteligente? :)
Eu por aqui estou contente...
Rui leprechaun
(...e sou só dez reis de gente! :))
PS: Ah, sabendo como são os jornais e o gosto do choque... sem o chique!... e como o povo gosta de quem o pique... ;)
Suponho que o argumento do lenocínio é obviamente suficiente para desfazer uma tal estranha interpretação da legalização da prostituição. Enfim, algum burrocrata mais tapado ou malandreco... que bebeu um grão caneco!!!
Pois eu não bebo ou fumo nada... e na minh'Alma há uma loucura pegada... Bonequinha extasiada!!!!!!!!
Então cá vai.
A meu ver, há nesta questão algo mais do que a interpretação rigorosa do código de Hipócrates, pelo motivo muito simples que ainda ninguém conseguiu dar uma definição clara de quando começa a vida. Um dos argumentos mais cómicos que já ouvi (proveniente de uma faixa mais religiosa da população) era de que a masturbação também deveria ser crime porque o espermatozóide já era vida e, ao desperdiçá-los, estar-se-ia a matar inúmeras vidas. Sem comentários...
Além disso, e se virmos bem, já anteriormente a esta nova lei eram praticados abortos de forma legal, por mal-formação do feto, risco para a vida da grávida e quando a gravidez resultava de violação. Uma pessoa coerente que seja actualmente objectora de consciência, já o deveria ser nessa altura, já que também estavamos perante vidas. Ou será que a vida de uma criança deficiente vale menos que as outras? No entanto, não se ouvia falar em objectores de consciência em relação a esta matéria. Ora, o que se pede, é apenas um pouco de coerência. Se faziam abortos com a lei antiga, então não é lógico tornarem-se objectores apenas perante a nova lei. Acresce que, havendo interesses de igual valor, em sentidos opostos, parece-me aceitável que a lei sirva para "desempatar".
Em último caso, os abortos iriam continuar sempre a ser feitos, quer fosse em clínicas em Espanha ou em cima do lava-loiças ou com quedas da escada abaixo. A única coisa que se pede é que sejam dadas condições de segurança para que em vez haver duas mortes (a da mulher e a do feto), haja apenas uma (a do feto, e isso se se considerar que já é algo vivo).
Há ainda outra questão. Os exemplos que dei não são tão descabidos como isso: um fumador num espaço fechado está lentamente a matar várias pessoas que, essas sim, estão sem dúvida vivas. Porque não fazer objecção de consciência ao tratamento de uma pessoa que está a assumir um comportamento que é simultaneamente suicida e homicida? Não é assim tão diferente de alguém que todos os dias põe uma pequena dose de veneno na comida de outra para a matar ao fim de uns meses...
Ainda há poucos dias vi uma mulher que levava o bebé no carrinho e ajeitava-lhe a manta com a mesma mão com que segurava o cigarro à frente da cara do bebé. Isto parece-me mais criminoso do que um aborto até às 10 semanas porque neste caso a criança já está viva e bem viva.
Mesmo em relação ao serviço militar, embora haja objectores de consciência e, actualmente, até já seja voluntário, há diferenças entre o tempo de paz e o tempo de guerra. Penso que está previsto na lei que, se Portugal estivesse em guerra, poderia fazer recrutamento que não dependesse exclusivamente de voluntários.
Quanto à outra questão que colocaste, dando o exemplo da Alemanha, acho essa situação bastante cómica. De facto, é apenas a "chulice" do Estado levada ao extremo! Não me pronunciando quanto à Alemanha (porque não tenho bases), em Portugal a Constituição supostamente salvaguarda diversos direitos fundamentais. O Código Penal apresenta e penaliza diversos comportamentos que atentam contra a liberdade e auto-determinação sexuais. Logo, penso que forçar uma pessoa a aceitar um emprego como prostituta, se enquadraria na definição de coacção sexual. Mas admito que não estou bem por dentro dos meandros obscuros da lei. Em último caso, há sempre o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que parece ter mais juízo que os outros...
E pronto, acho que esse legislador devia ir beber mais um bocadinho, porque ao menos, enquanto estiver em coma alcoólico não faz asneira.
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